O dia que o meu telemóvel caiu e eu não o apanhei

Olá! Long time no see. Na verdade este artigo explica a minha ausência também por aqui. Bem-vindos à minha crónica sobre o acaso, o silêncio e a joy de estar out do mundo digital.

No dia 18 de março, saí de casa no meu caos habitual: café numa mão, lancheira e mala do computador na outra, chaves de casa, chaves do carro, a minha mala… e o telemóvel. O corpo a equilibrar tudo como se fosse uma dança caótica coreografada diariamente que, de tantos ensaios, corre (quase) sempre bem. Mas hoje conto-vos o quase: ao entrar no carro, o inevitável aconteceu: o telemóvel caiu. Nada de novo, já perdi a conta das vezes em que isto aconteceu, mas desta vez foi diferente — caiu duas vezes. De repente, a azáfama matinal a 200 bpms deu lugar a câmera lenta, com uma música italiana de fundo. O telemóvel bateu no chão, saltou, e voltou a cair. Como se a vida quisesse garantir o estrago.

Senti aquele calafrio automático, o pressentimento de quem já conhece o som de um ecrã partido. Mercúrio retrógrado? Por acaso. A astrologia já me tinha avisado. A física também. Claro que o ecrã estava partido.

Respirei fundo e segui viagem. Assim que cheguei ao escritório, abri o WhatsApp no computador e dei seguimento a tudo o que era importante. Estava sem telemóvel mas a vida continuou e o que podia ser apenas um aborrecimento técnico tornou-se, sem eu prever, numa espécie de experiência pessoal sobre o que é estar verdadeiramente offline.

Nesse mesmo dia, à noite, estava sozinha em casa e ouvi um barulho que me era familiar mas não percebi imediatamente o que era. Parecia um alarme mas não era bem… Era o telefone fixo (acho que nem me lembrava que o tinha). Uma amiga queria falar comigo. E conseguiu!

Nos dias seguintes, entreguei o telemóvel ao seguro para ser reparado. Uma amiga emprestou-me um substituto, mas nessa altura já estava feita a transição: o desmame digital tinha começado sem aviso prévio. E estava a saber-me bem.

Quis escrever este texto para documentar o que me aconteceu, mas também para o tentar compreender. Confesso que sempre vi com algum ceticismo — e até com um ligeiro cinismo — aqueles relatos epifânicos de quem sai do Instagram e reencontra o sentido da vida, como aconteceu no apagão da semana passada. Mas a verdade é que, ao viver algo semelhante, não consegui negar o efeito.

Ficar sem telemóvel foi o meu apagão.


Mas, ao contrário do que imaginava, não fiquei às escuras. No meu quadro da eletricidade pessoal, desligou-se apenas o disjuntor do “online” — mas eu continuei com luz e a funcionar. E, deixem-me dizer-vos: não estava com pressa nenhuma para chamar o eletricista (ou neste caso, o seguro).

Durante dias, continuei a fazer o essencial: reuniões, mensagens pelo computador, entregas. E não perdi nada. Pelo contrário: ganhei presença mental, foco e tempo sem distrações. Não percorri feeds, não entrei em grupos com 300 notificações, não estive no loop de conteúdos, nem na vigília do algoritmo. Fiz o essencial — e bastou.

Lesson learned: estar presente é uma competência. E a capacidade de dosear a nossa exposição digital é um soft skill cada vez mais urgente.

E talvez esta seja a verdadeiro aprendizagem: trabalho no digital e com isso há sempre a associação injusta de que estar offline significa perder o controlo, ser incapaz ou no limite, ser incompetente. De que a minha produtividade, criatividade ou profissionalismo depende da minha hiperconexão.
Mas não. A vida não ficou em suspenso. O trabalho seguiu. As relações mantiveram-se. O mundo girou.

E eu… respirei.

No meio de tudo isto, o que mais me surpreendeu foi perceber o quão confortável me senti com esta ausência. O que me preocupou, no entanto, foi o facto de o projeto em que tenho vindo a trabalhar nos últimos meses — e que está prestes a ver a luz do dia — ter tido o seu lançamento adiado.
Não o projeto em si, que seguiu a todo o vapor. Aliás, este detox digital permitiu-me estar ainda mais focada nele. O que ficou em suspenso foi a partilha, o momento de o trazer ao mundo.

Mas esta pausa trouxe-me duas aprendizagens valiosas:

  • Perceber que não tenho de seguir de modelos de “teasing” de lançamento de projetos, mesmo que saiba que estes modelos já se tornaram clichés porque efetivamente funcionam.
  • Saí da minha ilha e por isso, vi a minha ilha. E mais importante do que estratégias para fora, permitiu-me olhar para o principal: para dentro, para a minha equipa. E perceber que se lhes posso dar um exemplo, é que para sermos mais focados, criativos e conseguirmos pensar global para agir local, precisamos de estar mais ligados a tudo o que nos rodeia e que não está necessariamente online.

E agora?

É surfar esta onda do essencial enquanto não sou absorvida pelo void novamente. E nesse momento, espero que o telemóvel me caia outra vez (pode ser só um susto, não precisa de partir o ecrã novamente).

Por último, partilho esta reflexão porque talvez mais pessoas precisem de saber disto: o mundo não pára quando te desligas. E tu também não.

#TheGlitterDream