Não. Não é metáfora. Não é exagero. É pura matemática… emocional.
Enquanto o passar dos anos se limitava a dizimar o que restava do meu jovial charme (só o facto de escrever jovial charme já diz muito sobre o estado crítico em que me encontro), a vida corria bem. Uma pessoa vai-se reinventando, e até é um desafio engraçado fingir que temos menos idade do que aquela que a implacável contabilidade do tempo nos atribui. Ou então, exibir orgulhosamente — admiro quem o consegue — a verdadeira idade, fazendo todos os dias alusão ao vinho do Porto, que tanto melhor é quanto mais carregado estiver o copo. Aliás, quanto mais idade tiver. Desculpem, às vezes engano-me. É da idade.
O pior é quando, sem aviso, é por dentro que a velhice nos começa a trair aos quarentas. Primeiro, uma dor ligeira mas constante. Depois, o mundo a mudar. “Tu queres ver que afinal não sou imortal?”
Uma dor que me acompanhou quase dez meses. Foram precisos dezenas de exames e o descarte de quase tudo para se concluir que era uma dor psicológica — apesar de bem real. Aparentemente, chama-se Dor Epigástrica Funcional, mas podia chamar-se Maria que eu continuaria a detestá-la.
Um dia estamos a provar licores no Algarve, no outro passamos os 300 dias seguintes agarrados à barriga, sem mais tocar em álcool.
Com tanta ecográfica, colonoscopia, endoscopia, paratalétopia (se não existe, devia, porque é um bom nome) lá tinham de descobrir qualquer coisa. Uma doença autoimune. O meu próprio corpo a sabotar-me. Excelente. Aposto que o Gustavo Santos diria algo como só eu me posso derrubar a mim mesmo.
Não é o fim do mundo — supostamente não dói — mas obriga a análises semestrais para monitorizar e compensar os níveis de vitaminas e ferro que o meu corpo começa a ter dificuldade em absorver. E de dois em dois, ou três em três anos, já não me livro de um tubo pela garganta abaixo. Só para garantir que o bicho não avança.
Depois da cabeça sofrer muito com tudo isto, lá percebi o óbvio: não é minimamente justo queixar-me, quando há quem descubra estas coisas (e piores) já em fases terminais. Mas nem todos temos o condão de controlar o que sentimos. E foram muitas as noites sem dormir. Como o Porto não ganhou grande coisa este ano, aproveitei para não dormir por dois motivos. Há a música da Luísa Sobral, Amar pelos dois, e há o meu não dormir pelos dois. É parecido.
Há dois meses apareceu-me uma hérnia. Fui operado pela primeira vez na vida. Por um lado, ótimo — as dores do pós-operatório fizeram-me esquecer a maldita dor epigástrica funcional. Por outro, acho que a minha seguradora está a começar a desconfiar da minha verdadeira idade. Já lhes dei mais prejuízo com este contrato do que com todos os outros juntos. Mas têm de ter calma. Até porque o ano ainda não acabou.
Sei que eles andam a investigar, porque um dia ligaram-me a dizer que estava a decorrer uma obra ali perto do Marquês… e perguntaram se eu não queria aparecer para ver. Noutra ocasião, pediram-me dinheiro para ajudar o Manuel Luís Goucha num tratamento. Não cai em ambas, mas quase dei parte de fraco quando me pediram o código do cartão para me fazer uma transferência.
Hoje, já trato os médicos por tu. Eles dizem que não se deve, que é uma falta de respeito, mas não quero saber. Passei a ditar as minhas regras. Não se vá o caso desta vida ser só uma.
No livro da minha vida, ainda estou na página 45. Mas é como se tivesse avançado 30. Agora sou um spoiler ambulante do que aí vem.
E o que aí vem… são as onze da manhã. Hora de tomar os medicamentos para o colesterol que a médica me receitou no início deste ano.
A médica, não. A Sofia.
João Pinto Costa
#TheGlitterDream